Revista Formosa: Filosofia às Margens do Rio

23/01/2024

"A minha Tabacaria ficou nas águas do Rio Preto, do Rio Grande, do Rio de Ondas e de tantos rios..."

Rio Riachão - Comunidade São Pedro em Formosa do Rio Preto. Imagem/FerreiraDrones
Rio Riachão - Comunidade São Pedro em Formosa do Rio Preto. Imagem/FerreiraDrones

Por Revista Formosa

Já ouvi muitos crentes e li muitos filósofos. Bebi na fonte pura dos poetas e desfilei em textos magníficos dos escritores, como o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. Contemplei, em sonhos, a Tabacaria de Lisboa, lá pelos idos de 1928, quando ainda não era nascido. Imaginei como seria a janela da mansarda de onde o poeta via milhões de seres e de mundos, "que ninguém sabe como é (e se soubessem quem é, o que saberiam?").

E o próprio Fernando diz que aquelas visões dão para "o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, para uma rua inacessível a todos os pensamentos, real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa. Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres. Com a morte a pôr umidade nas pedras e cabelos brancos nos homens. "Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada do nada".

Há quanto tempo eu ando por essa carroça e carrego a imagem de um amor volátil e intangível, como se caminhasse com outros amores, que passaram pela minha janela!.

Nem as mansardas de Portugal, nem as águas-furtadas do Brasil, ou os velhos pardieiros da Bahia devolvem-me intactas as inúmeras carroças da imaginação de Pessoa, nem as lembranças de minha janela.

Tal como o poeta português, não tenho mais irmandade com as coisas, senão para despedir-me.

A minha Tabacaria ficou nas águas do Rio Preto, do Rio Grande, do Rio de Ondas e de tantos rios, que não se sabe em que águas de mar foram-se agasalhar. Sobre eles voavam pássaros, em vôos rasantes junto às sereias, sem o alcance de outras visões. Tudo era envolto em toalhas sensuais, ou em ramos perdidos sobre as margens ocultas, ramos de canjeranas, bem mais ocultas do que a Tabacaria.

- Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície.

Tudo perdido no silencioso caminho dos amores, ou de um único amor. Fernando Pessoa ainda viu, sorrindo, o dono da Tabacaria, o Esteves, embora lhe fugisse dos braços a filha da lavadeira, com quem pretendia casar-se. Talvez tenha sido mais feliz do que o menino ao ver a margem do rio. E ao longo da vida só lhe restaria a lembrança ilusória daquelas sereias na margem vazia.

Se vocês querem sentir essas imagens nostálgicas, vendo ou ouvindo aquele desfile de pássaros, ouçam as canções de Sândalo Nogueira e Laércio Correntina, sempre ao embalo dessas lembranças.

Autor: Dilson Ribeiro/Jornal Nova Fronteira

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